quinta-feira, 27 de junho de 2013

Antigo violão




Há alguns anos eu encontrei um violão. Me apaixonei por ele assim que o vi. Custou-me alguns meses para tê-lo para mim. Mas, Deus, quando o tive em meus braços, eu era o garoto mais feliz do mundo (sim, pois eu não era nada além de um garoto). Pelo que eu soube, o violão era apenas alguns anos mais velho do que eu. Passava todos os meus dias junto do violão – tão bonito, tão perfeito nos meus braços, tão meu, tão indizivelmente meu. E eu era todo dele. Eu me dedicava todo a ele. Eu me entreguei à minha paixão pelo meu violão.

Mas eu era um garoto. Eu não sabia de nada. Logo comecei a enjoar do violão. Excesso de convivência, talvez.

E eu larguei o violão, pensando que ele poderia não ser exatamente o modelo certo pra mim. Afastei-me dele durante um mês, se bem me lembro. E logo comecei a pensar na possibilidade de outras pessoas olharem para o meu violão (será que ele ainda era meu?); e não só de olharem, mas de tocarem meu violão. Meu violão. Aquele violão era tão meu. 

Resgatei meu violão. Passamos mais três meses naquela mesma paixão e dedicação de antes. 

E sucedeu-se o mesmo diversas vezes. Eu sempre acabava largando meu violão. Mas eu sempre acabava indo atrás dele de volta. Porque eu já tinha me acostumado a ele. Eu não podia mais viver sem meu violão. Meus ouvidos doíam sem escutar a música tão harmoniosa que fazíamos juntos. Meus dedos não faziam mais outro movimento que não fosse o de apertar suas cordas, o de procurar seus sons mais perfeitos. Meus olhos só viam e só queriam ver aquele corpo que eu conhecia tão bem e que adorava tocar. Meu coração vibrava com os acordes tortos e engraçados que fazíamos quando eu estava entediado. Aquele violão me acompanhou sempre. Eu já não imaginava minha vida sem ele. Eu jamais poderia fazer algo sem ter meu tão querido violão comigo. Eu tinha medo de não saber fazer outra coisa que não fosse tocar violão. Não qualquer violão: o meu violão.

Já faz alguns anos agora desde que vi meu violão pela primeira vez. Ele mudou tanto. Está mais velho. Mais bonito. Mais austero. Os sons que ele faz não são mais os mesmos. Suas cordas começaram a me machucar, em determinada altura. Meus braços não se adaptavam mais ao seu corpo: era desconfortável. Os sons se tornaram ásperos, secos, agressivos e feriam tanto meus ouvidos. Eu xingava o violão por ele não ser mais o mesmo. Mas eu sabia (e não confessava pra mim mesmo) que não poderia viver sem ele nunca. Eu chorava porque não conseguia me livrar daquele estúpido violão. Eu não sabia o que estava fazendo com a minha vida mais. 

Um dia, abandonei meu violão em uma estação do metrô. Saí andando sem olhar para trás. E eu chorei tanto. Porque eu lembrei das tantas melodias tão perfeitas que fizemos durante todos esses anos. Lembrei até mesmo dos momentos em que meus dedos sangraram de tanto apertá-lo, mas eu sabia que sentiria falta até mesmo disso. Eu sabia que jamais encontraria outro violão como aquele. Mas eu sabia também que era necessário deixá-lo. Eu sabia que aquelas cordas me feriam. Eu sabia que, uma hora ou outra, eu teria de aprender a fazer outras coisas. E teria que aprender sozinho.

Eu nunca mais soube o que aconteceu com o meu violão. Disseram-me que ele tem um novo dono. Um dono completamente diferente de mim. Outros dedos o manuseiam. Outra voz se alia aos sons dos seus acordes. Outros braços encostam em seu corpo. Em outra boca ele provoca sorrisos com seus sons tão doces. 

Tentei tocar outros instrumentos desde que abandonei meu violão: pianos, flautas, baterias, baixos, violinos, trompetes, liras. Nunca obtive sucesso. Minhas mãos estão tortas, acostumadas, ainda, ao formato daquele violão antigo. Sim, aquele violão antigo tem agora alguém que o saiba manusear com mais carinho do que eu, que sempre fui meio bruto. Ele tem agora alguém cuja voz é mais sincronizada que a minha aos seus acordes. Aquele violão antigo está com alguém que o ama. Há tanto tempo que não o vejo que, se o visse, aposto que não conseguiria segurá-lo mais: não apenas porque desaprendi a tocar, mas porque, aposto, ele deve ter mudado tanto também. 

Agora tudo que tenho é a minha voz cantando músicas tristes de violões famosos enquanto cada fibra do meu coração se arrebenta a cada acorde que eu ouço e penso no quanto eu amei aquele antigo violão. 

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